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    DE QUEM É ESTA LÍNGUA?

    Comentário

    Uma pequena editora brasileira, a Urutau, acaba de lançar em Lisboa uma antologia antirracista de poetas estrangeiros em Portugal", com o titulo "Volta para a tua terra". O livro acolhe 49 poemas inéditos, de 49 poetas naturais de nove países distintos. É impossível não notar a ausência de grandes poetas africanos radicados em Portugal desde há muitos anos, como a angolana Ana Paula Tavares ou o cabo-verdiano José Luis Tavares. Além disso, os poemas escolhidos são francamente desiguais. Há, contudo, excelentes surpresas.

    O livro denuncia as diversas formas de racismo a que os imigrantes estão sujeitos. Alguns dos poetas brasileiros antologiados queixam-se do desdém com que um grande número de portugueses acolhe o português brasileiro. É uma queixa frequente. Não obstante as intensas trocas culturais entre Portugal, Brasil e países africanos onde se fala português, persiste ainda no país de Fernando Pessoa um certo sentimento imperial (e uma desoladora ignorância) em relação ao comum idioma materno. "Aqui em Portugal eles dizem/-eles dizem-/ que nosso português é errado, que nós não falamos português", escreve a poetisa paulista Maria Giulia Pinheiro, para concluir: "Se a sua linguagem, a lusitana,/ ainda conserva a palavra da opressão /(...) ela não é a mais bonita do mundo. // Ela é uma das mais violentas."

    Os portugueses mostram grande orgulho na universalidade e do alcance da língua que falam, mas quase sempre se esquecem de acrescentar que esse alcance -é a sexta língua mais falada no mundo - se deve aos 211 milhões de brasileiros. Se todos os brasileiros falassem nheengatu - é só um exemplo, a língua portuguesa seria tão relevante, a nível internacional, quanto o tagalo. Conhecem o tagalo? É falado por mais de 50 milhões de filipinos. Já o nheengatu seria a sexta língua mais falada no mundo. A língua portuguesa é a soma de todas as suas variedades. Ninguém pode pretender conhecê-la se conhecer dela uma única variedade. E, não a conhecendo, como pode amá-la? Os portugueses que desprezam as variedades brasileiras e africanas da língua portuguesa não conhecem e não amam a própria língua materna. São inimigos da nossa língua.

    Acompanhei Antônio Houaiss há muitos anos, quando ele visitou Lisboa, a convite da poetisa Natália Correia, então deputada no parlamento português, para defender a ideia de uma ortografia comum. Natália era uma mulher enorme (em todos os sentidos), com uma energia que contagiava os bons espíritos - e assustava os maus. No parlamento, um deputado interrompeu Houaiss, usando da mesma deselegância a que se refere Maria Giulia Pinheiro: "O senhor fala um português errado." Não me recordo qual a palavra específica que terá irritado o português. Recordo-me, isso sim, que Houaiss aproveitou a oportunidade para ministrar uma aula sobre a transumância das palavras e a fabulosa riqueza da língua. Assim que terminou de falar, Natália Correia ergueu-se de um salto, enquanto bradava para os restantes deputados: "Ajoelhem-se diante deste homem! Nenhum de vocês fala português tão bem quanto ele." Como sempre, tinha razão.

    José Agualusa, O Globo, 14/08/21


    Autor(a) CARIOCA (324416)  14 ago. 21, 21:30
    Comentário
    #1Autor(a) no me bré (700807) 15 ago. 21, 12:40
     
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